Interfaces e linguagens para o documentário transmídia
Interfaces e linguagens para o documentário transmídia
Interfaces y lenguajes para el documental transmedia
DENIS RENO
Periodista y documentalista, maestro y doctor en Comunicación Social por la Universidad Metodista de Sao Paulo (Brasil)
Introduçao
Pioneiro na história do audiovisual e conhecido como filme de realidade ou imagens do povo, esse formato narrativo tem como capacidade a construção, ou representação, da realidade, levando ao espectador informação e conhecimento, o que pode significar emancipação cultural e social.
Porém, o documentário viveu momentos diversos em sua trajetória, acompanhados de formatos narrativos e de técnicas diversas de linguagem, assim como objetivos diferentes que justificavam e/ou provocavam essas formas de fazer. Também foram direcionados por correntes teóricas e artísticas diferentes para esses formatos, inclusive de maneira paralela ao cinema de um modo geral, que foram de certa maneira justificados pelo desenvolvimento tecnológico naquele momento. Os irmãos Lumière apresentaram o documentário ao mundo a partir de uma narrativa pura, inclusive sem definir o próprio gênero, a própria existência, ao registrar na obra “L’Arrivée d’un Train en Gare de la Ciotat” [Chegada do Trem na Estação de la Ciotat] a chegada do trem à estação francesa (Renó, 2012). Naquelas sessões, os presentes “interagiram” com o trem de maneira real, provocando pânico nos presentes.
Num segundo momento do documentário, e com um olhar tanto tecnológico como de criação de linguagem, o russo Dziga Vertov apresentou “O homem com a câmera” como uma sequencia de imagens construída a partir da montagem, que naquele momento passou a ser uma tendência difundida pela escola russa. Sua proposta foi a reconstrução da realidade (ou da ficção, como ocorre no cinema que conhecemos) a partir da combinação de imagens (Renó, 2011), tendo como base conceitual a experiência desenvolvida por outro russo, Lev Kuleshov (Renó, 2011), em sua obra “A mulher ideal”, que apresentava uma sequencia de enquadramentos e imagens para demonstrar uma mulher considerada perfeita para o realizador. A mulher de Kuleshov nunca existiu, pois foi construída pela combinação de partes de várias mulheres.
Numa mesma evolução tecnológica, Jean Rouch produziu obras como “Le maitre fous”, onde atua com uma câmera de mão e som direto, ou seja, registrou em vídeo de maneira simultânea ao registro do áudio. Na obra, Rouch participa de uma cerimônia espiritual de uma aldeia africana e registra o transe de um dos participantes de tal maneira que parecia estar em transe com ele. Nascia naquele momento uma linguagem estética denominada como câmera-olho, linguagem de produção possibilitada pelo dispositivo “portátil” e pela capacidade de registrar som e imagem ao mesmo tempo, o que era fundamental para transmitir essa sensação de realidade.
Com a chegada da tecnologia VHS e em seguida o sistema digital, as mudanças do documentário passaram a representar experiências inovadoras e interessantes. O baixo custo desses dispositivos, em comparação com a película de sal de prata, possibilitou obras como “O prisioneiro da grade de ferro”, de Paulo Sacramento, construída a partir da edição de imagens gravadas por presidiários reclusos na então Penitenciara do Carandiru , em São Paulo. Sacramento reuniu um total de 120 horas de imagens gravadas pelos presos e a partir disso criou um roteiro para a montagem final. Trata-se de uma obra que tem como coautores os presos cinegrafistas.
Porém, em nenhum desses momentos a mudança no que diz respeito a linguagem foi tão expressiva como depois da web 2.0, onde os cidadãos passaram não somente a produzir, como também a distribuir os conteúdos produzidos. Uma significativa parcela dessas produções foi realizada a partir de telefones celulares e/ou câmeras fotográficas amadoras. Com essas inovações de tecnologia e linguagem surge uma nova linguagem comunicacional: a narrativa transmídia. A partir dela, tornou-se necessário estudar, experimentar e interpretar os resultados da utilização da narrativa transmídia para a construção de documentários.
Outra importante mudança na nova ecologia dos meios (Renó, 2013b) refere-se ao modelo de exibição destes conteúdos a partir de dispositivos móveis, onde o contato táctil com o conteúdo realiza propostas apresentadas inicialmente por Norbert Wiener (1954) e posteriormente por Marshall McLuhan (2005), para quem os meios de tecnologia eram extensão do nosso corpo. Com telas tácteis, não só temos essa extensão como também podemos dispensa-las, “colocando as mãos” no conteúdo disponível. Porém, essas mudanças provocam uma nova preocupação no campo midiático: interface.
Esse artigo apresenta, a partir de discussões teóricas e de resultados práticos obtidos através de um experimento-piloto, informações sobre como pode ser concebido um documentário transmídia e quais os parâmetros de interface que tal produto deve oferecer. Para tanto, são considerados resultados apresentados anteriormente sobre documentário interativo (Renó, 2011) e outros resultados obtidos com o documentário “Galego-português”, produzido totalmente a partir de um iPad 2. Neste processo de produção considero desde a concepção da obra a partir do roteiro até a edição de vídeo, áudio e foto, além da própria produção do material. Somente a montagem da página, realizada em HTML5, foi desenvolvida a partir de um computador convencional.
Espero, a partir desse estudo, oferecer aos produtores de documentários que buscam uma excursão pelo mundo da narrativa transmídia orientações e critérios para que tal produção atenda aos princípios desse tipo de linguagem, frequentemente confundida com a estratégia crossmedia.
Cómo citar:
Reno, D. (2013) Interfaces e linguagens para o documentário transmídia, en Fonseca Journal of communication, Monográfico 2, 211-233.